13.6.07

Senso de Ridículo é foda

Mariana parou na frente do espelho para dar uma última ajeitada. As botas de camurça bege que iam até a metade das coxas, o vestido curto de estampa de onça amarrado com um cinto branco de fivela dourada, os cinco cordões empilhados em torno do pescoço, os brincos que esbarravam no ombro e o cabelo cor de casca de ovo estavam em ordem. Tinha certeza de que seria um arraso na naite. Aquela festa prometia.

Pensava nisso quando ouviu batidas. Não eram de carro, nem de frutas; vinham -- que medo! -- do quarto na área de serviço, transformado em Quarto da Bagunça por necessidade de despejar coisas que haviam se tornado inúteis. Quis ignorar o barulho, mas ele continuava, incessante, insistente e inclemente. Por fim, decidiu ir ver o que era.

Chegando no quarto, percebeu que o ruído vinha de dentro do armário onde deixava as roupas que haviam saído de moda. O que estaria ali? Seriam ratos? baratas? traças? Mariana temia por sua vida, mas sentia que devia abrir a porta. Tomou coragem, respirou fundo e puxou.

No início, só havia escuridão. Ouviu então um som de tosse e do meio das roupas velhas saiu um homem de terno cinza claro, que usava óculos de armação redonda e secava a careca com um lenço de pano escurecido. Apavorada, Mariana gritou e deu um pulo para trás, protegendo-se atrás de um pogobol. Como viu que o estranho ficava apenas ali, parado, olhando em redor, resolveu perguntar-lhe quem ele era.

-- Sou seu senso de ridículo. Vim pra te impedir de sair assim.
-- Por quê?
-- Porque você tá ridícula, porra.
-- Mas eu não me sinto ridícula.
-- Quem tem que saber disso sou eu. Vai lá preparar uma bebida pra nós que eu te explico melhor.

E ela foi. Preparou duas doses de uísque com gelo no bar e sentou-se no sofá de couro de lhama ao lado do senso de ridículo, que havia posto um CD do Marvin Gaye pra tocar. Conforme iam conversando, Mariana percebia o quanto havia sido motivo de chacota durante toda sua vida por nunca ter respeitado seu senso de ridículo, e o quanto tudo passaria a ser diferente a partir daquele momento. Ele falava mais, ela ouvia mais, Marvin Gaye botava pra quebrar, o uísque rolava solto e logo ambos trepavam no tapete da sala. No fim da noite, fumando um cigarro, o senso de ridículo disse que precisava ir. Iria numa viagem de negócios, mas logo voltaria. E foi entre juras de amor eterno que ambos se despediram, ele levando cinqüentinha para pagar o táxi até a rodoviária.

Dias depois, sem receber notícias de seu senso de ridículo, Mariana soube que a festa à qual não tinha ido era, na verdade, um recrutamento de mulheres interessadas a trabalhar como putas na Holanda, recebendo em euros e tendo a carteira assinada. Havia perdido a grande chance de sua vida! Tornou-se então uma mulher amarga e desiludida, que costumava dizer "Meu senso de ridículo fodeu comigo" mas ninguém entendia por quê.