24.3.07

optigan 1

Uma profunda sensação de paz. Lágrimas me vêm aos olhos, enquanto mergulho em pensamentos felizes sobre as belezas do mundo. Aquela velha conhecida sensação de um bolo preso na garganta, o bolo que sobre junto com as lágrimas quentes quando se olha para uma obra acabada, um projeto que tanto esforço demandou, enfim concluído.

Havia lágrimas de outono. Muitas lágrimas que corriam dos olhos verdes como o céu da primavera anterior, em que a roufenha velha, enlouquecida, se deitara em seu jardim. O velho senhor, calvo, com grandes olhos tristes, via sua vida esvair-se como as folhas secas de seu gramado. Onde estavam as tulipas que plantara no ano anterior? Ninguém se importava com tulipas. Sua vida se escoava, como num turbilhão, como num tanque cheio cuja rolha fora retirada.

Ouviu os sinos da sua morte anunciarem a chegada do outono. Não podia mais resistir ao chamado do outono, as folhas secas caindo em seu gramado, o céu lúgubre cor de cobre lhe prometia as mais variadas delícias. Não podia mais se conter, e as lágrimas foram as primeiras a preceder a torrencial chuva que caiu desde então.

O velho, cachimbo, a chuva caindo leve na janela. Crianças jogando bola, a bola suja de lama. Mas eles não se preocupam. Não estão preocupados, a chuva cai fina sobre eles e eles sorriem. Cachorros azuis correm pelo gramado. O orgulho profundo, a paz profunda. E todos são felizes, indo dormir assim que a lua estrelada sobe ao céu.

19.3.07

Camilo, o inconsolável

-- E aí, campeão, o que vai ser?

Aquilo era uma constante. O bar em frente à sua casa tinha o melhor caldinho de feijão de Niterói e adjacências, e Camilo adorava caldinho de feijão. Não podia viver sem ele. Tanto que, pelo menos três vezes por semana, ia ao bar para sorver daquele manjar. Mas, metódico como era, sentava-se sempre na mesma mesa e era, assim, atendido sempre pelo mesmo garçom, que teimava em chamá-lo de campeão. Até o dia em que Camilo estava particularmente deprimido.

-- E aí, campeão, vai aquele caldinho no capricho?
-- Não me chame de campeão. Eu não sou campeão de nada.

O garçom emudeceu, sustentando um sorriso hesitante no rosto sem-graça. Camilo aproveitou a deixa para continuar:

-- Não sou, nunca fui e acho que nunca vou ser campeão de nada. Eu sou um merda. Não sirvo pra nada.
-- Calma, calma, não fique assim -- disse o garçom, olhando para os lados -- Todos somos campeões. Sim, é verdade, todos somos campeões aos olhos de Deus!
-- Deus é o caralho! Ele nunca me deu nada! Ele sempre me deixou na merda!

Camilo começou a chorar. O garçom passou a mão por suas costas e começou a falar da vida, das crianças, das belezas do mundo. Seus olhos brilhavam e ele sorria enquanto amparava a pobre ovelha desgarrada.

-- Veja só, irmão. Você tem uma bela vida, você tem saúde,... você pode vir sempre aqui tomar seu caldinho de feijão! Quer coisa mais bonita?
-- Mas eu nunca fui campeão de nada!
-- Quem se importa com isso, irmão? De que isso serve? Hein? No que os campeões são melhores que nós?
-- É... acho que você tem razão.
-- Então me dá um abraço!

O garçom e Camilo abraçaram-se enxugando as lágrimas. Os outros garçons e clientes, que nos últimos minutos acompanhavam comovidos a cena, bateram palmas. Camilo sorria. Sentou-se novamente e bebeu o chope por conta da casa que seu amigo garçom fizera questão de lhe trazer.

No dia seguinte, Camilo voltou ao bar e sentou na mesma mesa de sempre. No entanto, foi atendido por outro garçom. O que teria acontecido com seu amigo?

-- Ah, ele largou essa vida e foi trabalhar de psicólogo -- disse o novo garçom.

E Camilo continuava em seu emprego de caixa de banco, que já ocupava havia mais de quinze anos. Era um merda. Um bosta. Um porra nenhuma.

-- Eu não sirvo pra nada! -- gritou. Ia começar a chorar novamente, mas ninguém vinha a seu auxílio com uma tulipa de chope. Resolveu ficar quieto e se conformar com a vida. Afinal, o Botafogo tinha perdido um jogo só.

12.3.07

Diálogos bizarros vividos na vida de minha pessoa

Gol vermelho à margem da Rodrigo de Freitas
-- Então você é anarquista?
-- Porra nenhuma, eu não acredito no ser humano.
-- Eu também não. Então o negócio é ser niilista.
-- É isso aí.


Cozinha, hora do jantar
-- O cara que foi à audiência não tinha uma perna. Mas ele tinha uma filha.
-- E daí?
-- Deus me livre transar com um cara sem perna.
-- Qual é o problema?
-- Ah, sei lá.
-- Pro cara não tem problema. Pior é pra mulher, que em vez de ficar de quatro só pode ficar de três.


Trabalho, hora do almoço
-- Você mora sozinho?
-- Não, moro com a minha mulher.
-- Ah, tá.
-- E você, também mora sozinho?
-- Não, com o meu namorado.

11.3.07

Os Mendigos de Ford - por Onofre Gusmão

Texto publicado em seu blogue, Onofre Gusmão Comenta, em 16 de fevereiro de 2004, quando o colunista desfrutava de enorme sucesso internético.

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Desde minha conversa com Clara, a criada (publicada aqui algumas semanas atrás), resolvi preencher minhas horas livres entre uma partida de bridge e outra com um hobby mais bem-visto e também condizente com pessoas da minha estirpe: a sociologia. Tenho trazido alguns exemplares de pobres (bem contidos, é verdade) para estudo -- cheguei mesmo a erguer um cercadinho no quintal para mantê-los bem presos enquanto os submeto à metodologia científica. Pude notar, nesse breve período, uma tendência bastante interessante entre os pedintes: o fordismo.

Pelo que posso me lembrar da época em que ainda passava por lugares habitados por mendigos, era de praxe entre eles o implorar verbal e físico. Jogavam-se no chão, contorcendo-se, com as bocas desdentadas implorando um pão velho ou alguns centavos para a cachaça. O transeunte, se excessivamente enojado (já que não vejo como alguém possa sentir-se de outra forma), podia repelir o monstro à altura.

No entanto, o tempo passa e a modernidade alcança todos, mesmo os mendigos. Agora, para alcançar mais resultado em menos tempo, os pedintes usam papeizinhos para facilitar o serviço. Fazem várias cópias (chéroques vagabundas) de uma frase padrão, normalmente lamentando sua situação de penúria e ressaltando que, se tivessem a oportunidade, trabalhariam (sic), e entregam-nos à população. Segundo me contou um dos espécimes estudados, a tática normalmente é abordar ônibus ou bares e entregar os papeizinhos a todos que lá estiverem sem dar-lhes tempo de reagir. "O ideal é pagar eles no susto", resumiu o espécime. Espera-se, então, algum tempo até que a maioria das vítimas recobre-se do espanto e termine a leitura para se "passar a sacola", como se diz no jargão da espécie.

Segundo minhas análises estatísticas, os mendigos conseguem pedir para 40% mais pessoas num período de tempo 65% menor, potencializando seus ganhos em até 600%. Tanta prosperidade já começa a levar os pedintes a se organizarem em cooperativas -- o que provoca algum ressentimento entre os mais ortodoxos, que preferem manter-se autônomos. Estes, no entanto, podem ser facilmente pacificados com algumas esmolas dadas pelos mendigos mais abastados.

O próximo passo, segundo o líder de uma cooperativa que também esteve submetido a estudo, é solicitar, junto ao Ministério do Trabalho, que a mendicância seja oficialmente reconhecida como atividade profissional. Com as cabeças pensantes (sic) que atualmente habitam o Governo, não duvido que isso aconteça muito em breve. Afinal, o espetáculo do crescimento se faz com empregos.

9.3.07

Estou ficando velho

Estava lendo os jornais a respeito da inspeção que W. Dubya veio fazer em nossa tropical e exótica nação e de repente me percebi resmungando a respeito de todo o circo que os valentes opositores armaram por causa de sua nefasta (sic Lula) presença. Faixa estendida no congresso por corajosos parlamentares de esquerda, pedras, sacos de tinta e quetais atirados por estudantes engajados, fazendas e estradas invadidos por combativos militantes sem-terra, and so on. Bonecos queimados em Fortaleza. Palavras de ordem gritadas em Recife. Muros pichados em Porto Alegre. Manifestação em Buenos Aires.

Enquanto isso, na mesma nação tropical e exótica, o tráfico comanda, as meninas se prostituem, as crianças morrem de fome, a água chega a metade da população (se não menos), os hospitais desmoronam, as escolas despreparam pessoas a cada ano, a pouca cobertura vegetal nativa que sobrou é dia a dia substituída por pastos e eucaliptos, os pobres são mantidos pobres por questões eleitorais.

Menos hipocrisia, minha gente.

5.3.07

Nunca gostei de carnaval. Mas o deste ano foi bom. Muita cachaça, amigos, churrasco, alegria. uma quase-semana despreocupada, leve, tranqüila, sem a preocupação de beber até cair ou de abater mulheres até o pau cansar. Há coisas boas em ser um homem sério, Dr. Watson.


Sim, resolvi voltar, muito por causa do estímulo dado pela volta de um camarada antigo à esfera dos blogues. Um cara que muito me inspira, sem viadagens por favor.


Posso dizer, sem dúvida, que foi o melhor carnaval que já vivi até hoje.


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Eu trabalho com a Gorda. E a diretora sugeriu que, pra que eu pudesse parar meu carro na garagem da escola, desse carona pra Gorda "quando possível". Sugestão de chefe é ordem, então sempre quando não tem mesmo como evitar levo a Gorda pra toca dela. Já tive essa infelicidade duas vezes. E nas duas, o carro quebrou no dia seguinte.


Praga de gorda é batata! Deve ser por causa da quantidade de amido.