11.3.07

Os Mendigos de Ford - por Onofre Gusmão

Texto publicado em seu blogue, Onofre Gusmão Comenta, em 16 de fevereiro de 2004, quando o colunista desfrutava de enorme sucesso internético.

===============================

Desde minha conversa com Clara, a criada (publicada aqui algumas semanas atrás), resolvi preencher minhas horas livres entre uma partida de bridge e outra com um hobby mais bem-visto e também condizente com pessoas da minha estirpe: a sociologia. Tenho trazido alguns exemplares de pobres (bem contidos, é verdade) para estudo -- cheguei mesmo a erguer um cercadinho no quintal para mantê-los bem presos enquanto os submeto à metodologia científica. Pude notar, nesse breve período, uma tendência bastante interessante entre os pedintes: o fordismo.

Pelo que posso me lembrar da época em que ainda passava por lugares habitados por mendigos, era de praxe entre eles o implorar verbal e físico. Jogavam-se no chão, contorcendo-se, com as bocas desdentadas implorando um pão velho ou alguns centavos para a cachaça. O transeunte, se excessivamente enojado (já que não vejo como alguém possa sentir-se de outra forma), podia repelir o monstro à altura.

No entanto, o tempo passa e a modernidade alcança todos, mesmo os mendigos. Agora, para alcançar mais resultado em menos tempo, os pedintes usam papeizinhos para facilitar o serviço. Fazem várias cópias (chéroques vagabundas) de uma frase padrão, normalmente lamentando sua situação de penúria e ressaltando que, se tivessem a oportunidade, trabalhariam (sic), e entregam-nos à população. Segundo me contou um dos espécimes estudados, a tática normalmente é abordar ônibus ou bares e entregar os papeizinhos a todos que lá estiverem sem dar-lhes tempo de reagir. "O ideal é pagar eles no susto", resumiu o espécime. Espera-se, então, algum tempo até que a maioria das vítimas recobre-se do espanto e termine a leitura para se "passar a sacola", como se diz no jargão da espécie.

Segundo minhas análises estatísticas, os mendigos conseguem pedir para 40% mais pessoas num período de tempo 65% menor, potencializando seus ganhos em até 600%. Tanta prosperidade já começa a levar os pedintes a se organizarem em cooperativas -- o que provoca algum ressentimento entre os mais ortodoxos, que preferem manter-se autônomos. Estes, no entanto, podem ser facilmente pacificados com algumas esmolas dadas pelos mendigos mais abastados.

O próximo passo, segundo o líder de uma cooperativa que também esteve submetido a estudo, é solicitar, junto ao Ministério do Trabalho, que a mendicância seja oficialmente reconhecida como atividade profissional. Com as cabeças pensantes (sic) que atualmente habitam o Governo, não duvido que isso aconteça muito em breve. Afinal, o espetáculo do crescimento se faz com empregos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Morra, capitalista de merda! Que o espírito do Grande Che se levante e espete seus olhos em sua foice!