27.11.07

Blogues, blogues, por que tê-los?

Comecei o texto anteanterior com essa pergunta e ainda não a respondi. O fato é que, no meu caso, não sei o que me motiva. É a vontade de escrever, sim, certamente, mas de escrever e ser lido. Fosse só escrever, cadernos existem pra isso -- letras, letras, frases, frases e capa fechada. Não tem essa de "eu escrevo pra mim". Quem escreve em blogue quer ser lido. Ponto.

Nos outros blogues que tive, havia um pequeno público. Era a época de ouro, o início dos blogues (2001-2002), em que isso ainda era popular, as pessoas liam, se interessavam e comentavam. E comentar, como já bem disse o Claúdio Vianna em suas tiras, é vital. Não só (mas é hipocrisia excluir esse motivo) por vaidade, mas simplesmente por causa do que foi dito no primeiro parágrafo. Ninguém escreve em blogue pra não ser lido. E como saber se existe leitura se não existe um feedback de retorno?

Aí o tesão acaba. A vontade murcha. E existem ausências, como as duas que já aconteceram neste blogue que, estranhamente, não foi levado por elas. Talvez este seja o definitivo.

Enfim. Não sei pra que um blogue serve nem por que cargas d'água tento manter um. Mas ele vai.

Enquanto isso, me dedico ao meu mais novo passatempo: colaborar com a Verdadeira Enciclopédia da Internet.

22.11.07

Só pra encerrar

Na segunda, publiquei aqui uma discussão travada entre Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara e colaborador da The New Yorker e o editor de internacional da veja, Diogo Schelp.

Jon Lee Anderson resolveu treplicar. Aqui você confere o texto, no original e traduzido.

Seleção Brasileira de Futebol de Botão

Dááááááááá-lhe, Júlio César!Ontem vi mais um "grande desafio para a nossa seleção" (sic Rede Globo) o jogo contra o Uruguai. Foi uma bela partida, como há muito não via. Jogadores correndo, toques de bola rápidos, pressão constante no adversário.

Infelizmente, quem jogou assim foi o Uruguai. Eram muito bons nas roubadas de bola, mas erravam muitos passes. Não fosse isso, provavelmente o time brasileiro não perderia só por 2 a 1. Não foi um placar justo. Deveria ser, no máximo, um empate -- só foi vitória graças ao gol CAGADO do Luís Fabiano. "Estrela do artilheiro" é o caralho, Galvão.

O time brasileiro ficou intimidado. Não sabe jogar contra times velozes com toque de bola. Só consegue enfrentar times que se movimentam pouco, porque nossos próprios jogadores não se movimentam. Parece um time de botão. O melhor jogador brasileiro em campo foi, sem dúvida nenhuma, o goleiro Júlio César. Bem típico do Dunga.

Deus nos proteja no próximo "jogão de bola" (idem acima), um amistoso contra a Irlanda em fevereiro. E sabe-se lá o que pode acontecer no próximo jogo das eliminatórias, contra o poderoso Paraguai, que atualmente é o líder.

É por isso que lanço a campanha: VOLTA, JUNINHO PERNAMBUCANO!

19.11.07

Qual a função de um blogue?

Comecei a me perguntar a respeito disso algum tempo atrás, quando recomecei a ler blogues e querer reativar este aqui. Talvez o comentário de jH ao texto anterior tenha apressado o processo. Mas o fato é que Hunter Thompson Is Back From The Grave.

Começo com uma carta encontrada no imprensa marrom, bom blogue jornalístico, enviada ao informativo oficial da oposição de centro-direita por Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara, a respeito de uma matéria publicada pela revista algum tempo atrás e assinada pelo editor Diogo Schelp.

Antes da carta, a ressalva: eu não sou devoto de Che Guevara.

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“Caro Diogo,

Fiquei intrigado quando você não me procurou após eu responder seu email. Aí me passaram sua reportagem em Veja, que foi a mais parcial análise de uma figura política contemporânea que li em muito tempo. Foi justamente este tipo de reportagem hiper editorializada, ou uma hagiografia ou – como é o seu caso – uma demonização, que me fizeram escrever a biografia de Che.

Tentei pôr pele e osso na figura super-mitificada de Che para compreender que tipo de pessoa ele foi. O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é.

Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade.

O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista.

No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado. Esteja à vontade para publicar esta carta em Veja, se for seu desejo.

Cordialmente,

Jon Lee Anderson.”


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Até aqui, nada de novo pra quem está acostumado às peripécias da revista. Maniqueísmo, parcialidade e alarmismo são fato comum. Talvez o próprio Curso Abril ensine isso àqueles que anseiam por uma vaga na publicação.

O problema foi quando o signatário da reportagem resolveu, do alto de sua arrogância, responder a Anderson. Depois de cada parágafo, um pequeno comentário.

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“Caro Anderson,

Eu fiquei me perguntando, depois de lhe enviar um email pedindo (educadamente) uma entrevista, por que nunca recebi uma resposta sua. Agora sei que a mensagem deve ter-se perdido devido a algum programa antispam ou por qualquer outra questão tecnológica. Também não recebi sua ‘carta’ – talvez pelo mesmo problema. Tudo isso não tem a menor importância agora porque você resolveu o assunto valendo-se dos meios mais baixos – um email circular. O que lhe fez pensar que tinha o direito de tornar pública nossa correspondência, incluindo a mensagem em que eu (educadamente) pedia uma entrevista? Isso, caro Anderson, é antiético. Vindo de alguém que se diz um jornalista, é surpreendente.


Esse é o problema de quem não sai de uma redação. É fato profundamente conhecido que repórteres da veja não assinam matérias; quem assina é o editor, usando (e abusando da) apuração dos outros. Caso Schelp tivesse realmente que correr atrás de uma entrevista, usaria o telefone. Se eu fosse editor-chefe e algum repórter me chegasse com essa desculpa, teria que caçar outro emprego no dia seguinte.

Não adianta nada ter educação, Schelp. Seria melhor ter iniciativa.

Você pode não gostar da reportagem que escrevi; ela pode ser boa ou ruim, bem-escrita ou não, editorializada ou não – mas não foi feita com os métodos antiéticos que você usa. Eu respeito a relação entre jornalistas e fontes. Você não. E mais: parece-me agora que você é daquele tipo de jornalista que tem medo de fazer uma ligação telefônica (assim são os maus jornalistas), já que tem meu cartão de visita e conhece meu número de telefone. Se você tinha algo a dizer sobre a reportagem — e já que sua mensagem não estava chegando a seu destino — poderia ter me ligado.

Ha! Ha! Ha!

A incoerência da veja se revela mesmo no discurso de seus editores. Então agora é a fonte que tem que correr atrás do jornalista (fazendo uma ligação internacional, que seja) se quiser reclamar de uma reportagem -- que foi malfeita (ignorando-se aí toda a editorialização inerente à veja) porque, de início, o jornalista esqueceu da sua OBRIGAÇÃO de se virar (incluindo dar muitos, muitos telefonemas) se quiser fazer uma apuração razoavelmente decente.

O Universo orbita em torno de veja.

Eu não sei que tipo de imagem de si mesmo você quer criar (ou proteger) negando os fatos que o seu próprio livro mostra, mas está claro agora que é a de alguém sem ética. Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista.

Sem mais,
Diogo Schelp”


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O mais engraçado é quando os vejeiros resolvem falar de ética. É pena que essa seja considerada a publicação "informativa" mais importante do país.

Estamos fodidos.

Leia também os comentários do imprensa marrom.

13.6.07

Senso de Ridículo é foda

Mariana parou na frente do espelho para dar uma última ajeitada. As botas de camurça bege que iam até a metade das coxas, o vestido curto de estampa de onça amarrado com um cinto branco de fivela dourada, os cinco cordões empilhados em torno do pescoço, os brincos que esbarravam no ombro e o cabelo cor de casca de ovo estavam em ordem. Tinha certeza de que seria um arraso na naite. Aquela festa prometia.

Pensava nisso quando ouviu batidas. Não eram de carro, nem de frutas; vinham -- que medo! -- do quarto na área de serviço, transformado em Quarto da Bagunça por necessidade de despejar coisas que haviam se tornado inúteis. Quis ignorar o barulho, mas ele continuava, incessante, insistente e inclemente. Por fim, decidiu ir ver o que era.

Chegando no quarto, percebeu que o ruído vinha de dentro do armário onde deixava as roupas que haviam saído de moda. O que estaria ali? Seriam ratos? baratas? traças? Mariana temia por sua vida, mas sentia que devia abrir a porta. Tomou coragem, respirou fundo e puxou.

No início, só havia escuridão. Ouviu então um som de tosse e do meio das roupas velhas saiu um homem de terno cinza claro, que usava óculos de armação redonda e secava a careca com um lenço de pano escurecido. Apavorada, Mariana gritou e deu um pulo para trás, protegendo-se atrás de um pogobol. Como viu que o estranho ficava apenas ali, parado, olhando em redor, resolveu perguntar-lhe quem ele era.

-- Sou seu senso de ridículo. Vim pra te impedir de sair assim.
-- Por quê?
-- Porque você tá ridícula, porra.
-- Mas eu não me sinto ridícula.
-- Quem tem que saber disso sou eu. Vai lá preparar uma bebida pra nós que eu te explico melhor.

E ela foi. Preparou duas doses de uísque com gelo no bar e sentou-se no sofá de couro de lhama ao lado do senso de ridículo, que havia posto um CD do Marvin Gaye pra tocar. Conforme iam conversando, Mariana percebia o quanto havia sido motivo de chacota durante toda sua vida por nunca ter respeitado seu senso de ridículo, e o quanto tudo passaria a ser diferente a partir daquele momento. Ele falava mais, ela ouvia mais, Marvin Gaye botava pra quebrar, o uísque rolava solto e logo ambos trepavam no tapete da sala. No fim da noite, fumando um cigarro, o senso de ridículo disse que precisava ir. Iria numa viagem de negócios, mas logo voltaria. E foi entre juras de amor eterno que ambos se despediram, ele levando cinqüentinha para pagar o táxi até a rodoviária.

Dias depois, sem receber notícias de seu senso de ridículo, Mariana soube que a festa à qual não tinha ido era, na verdade, um recrutamento de mulheres interessadas a trabalhar como putas na Holanda, recebendo em euros e tendo a carteira assinada. Havia perdido a grande chance de sua vida! Tornou-se então uma mulher amarga e desiludida, que costumava dizer "Meu senso de ridículo fodeu comigo" mas ninguém entendia por quê.

24.5.07

And all that jazz

Eu nunca gostei de jazz, muito por causa do Woody Allen. Sempre achei um estilo elitista e com improvisos demais pra ser apreciável.

Até que, dois anos atrás, me dei de aniversário o excelente jogo Mafia que tem, como trilha sonora, jazz europeu da época de 30-40. Algumas músicas me deixaram completamente apaixonado, especialmente algumas que tinham um dedilhado selvagem de guitarra.

Depois de alguma pesquisa, descobri que o dedilhador de guitarra em questão se chamava Django Reinhardt e que ele não tinha dois dedos na mão esquerda -- sim, ele fazia tudo aquilo apenas com dois dedos. Desnecessário dizer que o cara virou meu herói.

Siga este linque pra um dos poucos registros em vídeo de Django (e seu comparsa, Stephan Grappelli, no violino) e veja se não tenho razão. Este outro não tem vídeo, só fotos, mas a música consegue ter, na minha opinião, ainda mais swing.

15.5.07

Vamos moralizar essa bagaça

Li no noticiário do UOL de hoje que clodô, a síntese da formação política brasileira, teve um ataque qualquer e foi internado. Como não poderia deixar de ser, foi lembrado o piti anterior do deputado pra cima de sua excelentíssima colega Cida Diogo (PT-RJ) e o furor justiceiro da rapaziada da Câmara:

"O líder do PT na Câmara, deputado Luiz Sérgio (RJ), protocolou representação contra Clodovil na Câmara pelas ofensas do deputado contra as mulheres. Sérgio afirma, no texto, que Clodovil quebrou o decoro parlamentar ao usar palavras de baixo calão contra Cida Diogo e as mulheres em geral.

"Se a representação for aceita, o deputado pode sofrer punições que variam desde advertência verbal em plenário até a cassação do mandato."


Não duvido que clodô leve um passaralho. Nessas horas a gente lembra de todos os outros colegas envolvidos em tantos outros escândalos (com relação a desvios de verba, é bom dizer) e que levaram, no máximo, a tal advertência verbal, e tudo faz sentido.

É que eles sempre foram muito bem educados.

10.5.07

deu no grobo de hoje que policiais fizeram uma operação de repressão aos tóchicos em Copacabana, ontem, chamada "A Praça é Nossa". os puliça eram da 12ª DP, na Hilário de Gouveia.

existe uma estranha ironia aí.

9.5.07

Alamedas

Uma vez por ano, sempre naquele dia, ela vinha visitá-lo. Fazia tempo que não estavam mais juntos, mas ambos sentiam dever tanto um ao outro que era necessário, nem que fosse por um dia apenas, que se reencontrassem.

Sentado, sem se importar com os outros passantes, ele a esperava chegar. Viu quando ela apareceu ao longe, vindo devagar pelas alamedas cobertas de folhas secas, trazendo flores nas mãos. Ela gostava de manter aquela formalidade, o que fazia com que ele se sentisse tanto lisonjeado quanto incomodado; jamais se lembrava de dar alguma coisa a ela.

Sorriu quando percebeu que ela continuava linda, tanto quanto no ano anterior, tanto quanto na época em que se apaixonaram, mais de vinte anos antes. Ela também sorriu ao vê-lo, iluminando seu rosto antes tenso -- por mais que seus encontros se repetissem anualmente, ela parecia jamais se acostumar a eles.

Afinal, encontraram-se. Ela lhe entregou as flores e o encarou por um longo tempo. Sabiam que não havia nada a ser dito. Ela havia casado novamente, tido uma outra filha e arranjado um emprego melhor. Já ele permanecia na mesma situação desde a separação, tantos anos antes, mas nenhum dos dois se importava com isso. Reviam-se, e isso bastava.

Ele percebeu os olhos dela ficarem úmidos e sabia que ela pensava "e se ainda estivéssemos juntos?" Lamentava. Estava tudo acabado, não havia jeito -- quantos mais anos separados seriam necessários para que ela se convencesse? Ele não conseguia entender a razão de tal apego ao passado, de pensar em como seria se tivesse sido, de entristecer-se sem motivo desejando o impossível.

Uma lufada de vento fez com que ela se lembrasse de que devia ir. Fitou-o uma última vez, enxugando os olhos com as costas das mãos, sorriu incerta e se despediu com uma tristeza resignada na voz. Ele, por sua vez, não se mexeu; apenas acompanhava-a com os olhos, vendo-a se afastar com seus passos elegantes sobre as folhas secas caídas nas estreitas alamedas. Ela voltaria, ele sabia. Estaria lá novamente, no mesmo dia de Finados, trazendo-lhe suas flores. E ambos, mais uma vez, lembrariam do tempo em que haviam estado juntos -- como se, por um só momento, pudessem esquecê-lo.

24.4.07

Aforismos, vol. I

Estava lendo anotações antigas perdidas no meio do lixo e encontrei algumas frases que escrevi não sei por quê nem sob que influência, mas em todo caso poderiam estar encadernadas num livro qualquer de muita sabedoria, como esse aqui ou esse.

A felicidade é uma uva passa, fétida e morta.

Observar, observar, observar.

Estar saudável é uma hesitação antes de ficar doente.

A alegria é uma desculpa para a alienação.

Quem te dá tudo hoje pode te tirar tudo amanhã.

11.4.07

Assim disse William Waack

Jornal da Globo, ontem:



"Garota morre após fazer aborto."


Grande merda. Notícia mesmo seria: Garota faz aborto após morrer.

3.4.07

HTID recomenda

Siga o linque para um conto que eu gostaria muito de ter escrito.

A inveja é uma merda.

24.3.07

optigan 1

Uma profunda sensação de paz. Lágrimas me vêm aos olhos, enquanto mergulho em pensamentos felizes sobre as belezas do mundo. Aquela velha conhecida sensação de um bolo preso na garganta, o bolo que sobre junto com as lágrimas quentes quando se olha para uma obra acabada, um projeto que tanto esforço demandou, enfim concluído.

Havia lágrimas de outono. Muitas lágrimas que corriam dos olhos verdes como o céu da primavera anterior, em que a roufenha velha, enlouquecida, se deitara em seu jardim. O velho senhor, calvo, com grandes olhos tristes, via sua vida esvair-se como as folhas secas de seu gramado. Onde estavam as tulipas que plantara no ano anterior? Ninguém se importava com tulipas. Sua vida se escoava, como num turbilhão, como num tanque cheio cuja rolha fora retirada.

Ouviu os sinos da sua morte anunciarem a chegada do outono. Não podia mais resistir ao chamado do outono, as folhas secas caindo em seu gramado, o céu lúgubre cor de cobre lhe prometia as mais variadas delícias. Não podia mais se conter, e as lágrimas foram as primeiras a preceder a torrencial chuva que caiu desde então.

O velho, cachimbo, a chuva caindo leve na janela. Crianças jogando bola, a bola suja de lama. Mas eles não se preocupam. Não estão preocupados, a chuva cai fina sobre eles e eles sorriem. Cachorros azuis correm pelo gramado. O orgulho profundo, a paz profunda. E todos são felizes, indo dormir assim que a lua estrelada sobe ao céu.

19.3.07

Camilo, o inconsolável

-- E aí, campeão, o que vai ser?

Aquilo era uma constante. O bar em frente à sua casa tinha o melhor caldinho de feijão de Niterói e adjacências, e Camilo adorava caldinho de feijão. Não podia viver sem ele. Tanto que, pelo menos três vezes por semana, ia ao bar para sorver daquele manjar. Mas, metódico como era, sentava-se sempre na mesma mesa e era, assim, atendido sempre pelo mesmo garçom, que teimava em chamá-lo de campeão. Até o dia em que Camilo estava particularmente deprimido.

-- E aí, campeão, vai aquele caldinho no capricho?
-- Não me chame de campeão. Eu não sou campeão de nada.

O garçom emudeceu, sustentando um sorriso hesitante no rosto sem-graça. Camilo aproveitou a deixa para continuar:

-- Não sou, nunca fui e acho que nunca vou ser campeão de nada. Eu sou um merda. Não sirvo pra nada.
-- Calma, calma, não fique assim -- disse o garçom, olhando para os lados -- Todos somos campeões. Sim, é verdade, todos somos campeões aos olhos de Deus!
-- Deus é o caralho! Ele nunca me deu nada! Ele sempre me deixou na merda!

Camilo começou a chorar. O garçom passou a mão por suas costas e começou a falar da vida, das crianças, das belezas do mundo. Seus olhos brilhavam e ele sorria enquanto amparava a pobre ovelha desgarrada.

-- Veja só, irmão. Você tem uma bela vida, você tem saúde,... você pode vir sempre aqui tomar seu caldinho de feijão! Quer coisa mais bonita?
-- Mas eu nunca fui campeão de nada!
-- Quem se importa com isso, irmão? De que isso serve? Hein? No que os campeões são melhores que nós?
-- É... acho que você tem razão.
-- Então me dá um abraço!

O garçom e Camilo abraçaram-se enxugando as lágrimas. Os outros garçons e clientes, que nos últimos minutos acompanhavam comovidos a cena, bateram palmas. Camilo sorria. Sentou-se novamente e bebeu o chope por conta da casa que seu amigo garçom fizera questão de lhe trazer.

No dia seguinte, Camilo voltou ao bar e sentou na mesma mesa de sempre. No entanto, foi atendido por outro garçom. O que teria acontecido com seu amigo?

-- Ah, ele largou essa vida e foi trabalhar de psicólogo -- disse o novo garçom.

E Camilo continuava em seu emprego de caixa de banco, que já ocupava havia mais de quinze anos. Era um merda. Um bosta. Um porra nenhuma.

-- Eu não sirvo pra nada! -- gritou. Ia começar a chorar novamente, mas ninguém vinha a seu auxílio com uma tulipa de chope. Resolveu ficar quieto e se conformar com a vida. Afinal, o Botafogo tinha perdido um jogo só.

12.3.07

Diálogos bizarros vividos na vida de minha pessoa

Gol vermelho à margem da Rodrigo de Freitas
-- Então você é anarquista?
-- Porra nenhuma, eu não acredito no ser humano.
-- Eu também não. Então o negócio é ser niilista.
-- É isso aí.


Cozinha, hora do jantar
-- O cara que foi à audiência não tinha uma perna. Mas ele tinha uma filha.
-- E daí?
-- Deus me livre transar com um cara sem perna.
-- Qual é o problema?
-- Ah, sei lá.
-- Pro cara não tem problema. Pior é pra mulher, que em vez de ficar de quatro só pode ficar de três.


Trabalho, hora do almoço
-- Você mora sozinho?
-- Não, moro com a minha mulher.
-- Ah, tá.
-- E você, também mora sozinho?
-- Não, com o meu namorado.

11.3.07

Os Mendigos de Ford - por Onofre Gusmão

Texto publicado em seu blogue, Onofre Gusmão Comenta, em 16 de fevereiro de 2004, quando o colunista desfrutava de enorme sucesso internético.

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Desde minha conversa com Clara, a criada (publicada aqui algumas semanas atrás), resolvi preencher minhas horas livres entre uma partida de bridge e outra com um hobby mais bem-visto e também condizente com pessoas da minha estirpe: a sociologia. Tenho trazido alguns exemplares de pobres (bem contidos, é verdade) para estudo -- cheguei mesmo a erguer um cercadinho no quintal para mantê-los bem presos enquanto os submeto à metodologia científica. Pude notar, nesse breve período, uma tendência bastante interessante entre os pedintes: o fordismo.

Pelo que posso me lembrar da época em que ainda passava por lugares habitados por mendigos, era de praxe entre eles o implorar verbal e físico. Jogavam-se no chão, contorcendo-se, com as bocas desdentadas implorando um pão velho ou alguns centavos para a cachaça. O transeunte, se excessivamente enojado (já que não vejo como alguém possa sentir-se de outra forma), podia repelir o monstro à altura.

No entanto, o tempo passa e a modernidade alcança todos, mesmo os mendigos. Agora, para alcançar mais resultado em menos tempo, os pedintes usam papeizinhos para facilitar o serviço. Fazem várias cópias (chéroques vagabundas) de uma frase padrão, normalmente lamentando sua situação de penúria e ressaltando que, se tivessem a oportunidade, trabalhariam (sic), e entregam-nos à população. Segundo me contou um dos espécimes estudados, a tática normalmente é abordar ônibus ou bares e entregar os papeizinhos a todos que lá estiverem sem dar-lhes tempo de reagir. "O ideal é pagar eles no susto", resumiu o espécime. Espera-se, então, algum tempo até que a maioria das vítimas recobre-se do espanto e termine a leitura para se "passar a sacola", como se diz no jargão da espécie.

Segundo minhas análises estatísticas, os mendigos conseguem pedir para 40% mais pessoas num período de tempo 65% menor, potencializando seus ganhos em até 600%. Tanta prosperidade já começa a levar os pedintes a se organizarem em cooperativas -- o que provoca algum ressentimento entre os mais ortodoxos, que preferem manter-se autônomos. Estes, no entanto, podem ser facilmente pacificados com algumas esmolas dadas pelos mendigos mais abastados.

O próximo passo, segundo o líder de uma cooperativa que também esteve submetido a estudo, é solicitar, junto ao Ministério do Trabalho, que a mendicância seja oficialmente reconhecida como atividade profissional. Com as cabeças pensantes (sic) que atualmente habitam o Governo, não duvido que isso aconteça muito em breve. Afinal, o espetáculo do crescimento se faz com empregos.

9.3.07

Estou ficando velho

Estava lendo os jornais a respeito da inspeção que W. Dubya veio fazer em nossa tropical e exótica nação e de repente me percebi resmungando a respeito de todo o circo que os valentes opositores armaram por causa de sua nefasta (sic Lula) presença. Faixa estendida no congresso por corajosos parlamentares de esquerda, pedras, sacos de tinta e quetais atirados por estudantes engajados, fazendas e estradas invadidos por combativos militantes sem-terra, and so on. Bonecos queimados em Fortaleza. Palavras de ordem gritadas em Recife. Muros pichados em Porto Alegre. Manifestação em Buenos Aires.

Enquanto isso, na mesma nação tropical e exótica, o tráfico comanda, as meninas se prostituem, as crianças morrem de fome, a água chega a metade da população (se não menos), os hospitais desmoronam, as escolas despreparam pessoas a cada ano, a pouca cobertura vegetal nativa que sobrou é dia a dia substituída por pastos e eucaliptos, os pobres são mantidos pobres por questões eleitorais.

Menos hipocrisia, minha gente.

5.3.07

Nunca gostei de carnaval. Mas o deste ano foi bom. Muita cachaça, amigos, churrasco, alegria. uma quase-semana despreocupada, leve, tranqüila, sem a preocupação de beber até cair ou de abater mulheres até o pau cansar. Há coisas boas em ser um homem sério, Dr. Watson.


Sim, resolvi voltar, muito por causa do estímulo dado pela volta de um camarada antigo à esfera dos blogues. Um cara que muito me inspira, sem viadagens por favor.


Posso dizer, sem dúvida, que foi o melhor carnaval que já vivi até hoje.


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Eu trabalho com a Gorda. E a diretora sugeriu que, pra que eu pudesse parar meu carro na garagem da escola, desse carona pra Gorda "quando possível". Sugestão de chefe é ordem, então sempre quando não tem mesmo como evitar levo a Gorda pra toca dela. Já tive essa infelicidade duas vezes. E nas duas, o carro quebrou no dia seguinte.


Praga de gorda é batata! Deve ser por causa da quantidade de amido.