19.3.07

Camilo, o inconsolável

-- E aí, campeão, o que vai ser?

Aquilo era uma constante. O bar em frente à sua casa tinha o melhor caldinho de feijão de Niterói e adjacências, e Camilo adorava caldinho de feijão. Não podia viver sem ele. Tanto que, pelo menos três vezes por semana, ia ao bar para sorver daquele manjar. Mas, metódico como era, sentava-se sempre na mesma mesa e era, assim, atendido sempre pelo mesmo garçom, que teimava em chamá-lo de campeão. Até o dia em que Camilo estava particularmente deprimido.

-- E aí, campeão, vai aquele caldinho no capricho?
-- Não me chame de campeão. Eu não sou campeão de nada.

O garçom emudeceu, sustentando um sorriso hesitante no rosto sem-graça. Camilo aproveitou a deixa para continuar:

-- Não sou, nunca fui e acho que nunca vou ser campeão de nada. Eu sou um merda. Não sirvo pra nada.
-- Calma, calma, não fique assim -- disse o garçom, olhando para os lados -- Todos somos campeões. Sim, é verdade, todos somos campeões aos olhos de Deus!
-- Deus é o caralho! Ele nunca me deu nada! Ele sempre me deixou na merda!

Camilo começou a chorar. O garçom passou a mão por suas costas e começou a falar da vida, das crianças, das belezas do mundo. Seus olhos brilhavam e ele sorria enquanto amparava a pobre ovelha desgarrada.

-- Veja só, irmão. Você tem uma bela vida, você tem saúde,... você pode vir sempre aqui tomar seu caldinho de feijão! Quer coisa mais bonita?
-- Mas eu nunca fui campeão de nada!
-- Quem se importa com isso, irmão? De que isso serve? Hein? No que os campeões são melhores que nós?
-- É... acho que você tem razão.
-- Então me dá um abraço!

O garçom e Camilo abraçaram-se enxugando as lágrimas. Os outros garçons e clientes, que nos últimos minutos acompanhavam comovidos a cena, bateram palmas. Camilo sorria. Sentou-se novamente e bebeu o chope por conta da casa que seu amigo garçom fizera questão de lhe trazer.

No dia seguinte, Camilo voltou ao bar e sentou na mesma mesa de sempre. No entanto, foi atendido por outro garçom. O que teria acontecido com seu amigo?

-- Ah, ele largou essa vida e foi trabalhar de psicólogo -- disse o novo garçom.

E Camilo continuava em seu emprego de caixa de banco, que já ocupava havia mais de quinze anos. Era um merda. Um bosta. Um porra nenhuma.

-- Eu não sirvo pra nada! -- gritou. Ia começar a chorar novamente, mas ninguém vinha a seu auxílio com uma tulipa de chope. Resolveu ficar quieto e se conformar com a vida. Afinal, o Botafogo tinha perdido um jogo só.

Um comentário:

JH disse...

hahaha... aquela frase clássica: "se fode aí, Camilo!"