28.2.08

O grande espetáculo

Ontem veio todo mundo aqui querendo saber sobre o co-piloto do helicóptero que caiu. Está bem, está bem, não vai morrer etc. Entre eles, veio o SBT, com um rapaz encarregado de participar da ressurreição do - valei-me! - Aqui Agora. Lembra, aquele com o Gil Gomes? Poisé, coitado. A recomendação da chefia dele era fazer uma matéria dinâmica, no pior sentido do termo.

Então chega o rapaz, todo espaventoso. Quer falar com o paciente. Não pode. Tenta ser charmoso, achando que vai convencer o assessorzinho de merda do hospital na roça. Não consegue. Conforma-se com o médico. Mas ele não quer uma sonora normal, com o médico parado falando, não. Ele quer, muito dramaticamente, invadir a emergência com a câmera e encontrar o médico lá dentro, de preferência todo sujo de sangue. "É uma proposta diferente", ele explica. Eu rio. O médico olha, meio incrédulo. Por fim, diz que não dá, vai atrapalhar a entrada e saída de pacientes. Emergência, não dá.

Ele tenta de novo: "Então eu fico aqui fora, o senhor abre a porta da emergência e vem falar comigo". Olho pro lado. O médico recusa de novo. É chamado lá dentro. Tem que fazer a transferência do co-piloto. Fico sozinho com o artista. Que merda, hein? Ele discorda. "É uma proposta diferente", responde. Acredita mesmo no produto.

Passa muito tempo. Afinal, o médico sai de novo e, por falta de tempo para muito teatro, escandaloman aceita uma sonora convencional. Mas o câmera deu show: fechava no médico, abria, subia, descia, girava, filmava o céu, o chão, a vida, as estrelas. Fiquei imaginando como sairia aquilo. Ficaria tonto se assistisse. É o máximo do grotesco, do espetáculo, do sensacional (no mau sentido).

Aaaaaaaaaquiiiiiiii Aaaaaagooooooooooooraaaaaaaaaaaaa

18.2.08

Sobre conglomerados

Ontem, domingo de preguiça, depressão causada por visita aos pais, estava vendo a TV Record quando o Paulo Henrique Amorim anunciou a matéria bombástica que seria divulgada no Domingo Espetacular: crentes estavam pedindo indenizações por causa de matérias publicadas no Grobo e na Fôia que consideraram "ofensivas à sua religião".

Os crimes foram: no Globo, a Universal ("a Igreja que mais cresce no Brasil", segundo a Record) foi chamada de seita. Na Folha, uma matéria trazia a seguinte frase: "A hipótese é que os dízimos sejam esquentados em paraísos fiscais." (grifo meu) Daí, alguns clientes fiéis sentiram-se ofendidos e foram devidamente "orientados" pelo departamento jurídico da filial igreja que freqüentavam. (e vejam só que coisa: a Universal, como toda empresa igreja que se preze, tem departamento jurídico)

A pauta da matéria da Record falava exclusivamente do direito que os fiéis tinham de se sentir ofendidos e de como os dois jornais haviam sido feios e maus no tratamento a eles. E por aí ia, falando como os crentes sofrem preconceito da grande organização judaico-católica que colonizou o Ocidente.

Certo. Mas a Universal é a dona da Record, e tem grandes planos de ganhar dinheiro também por meio da mídia. A Rede Record tem crescido consideravelmente nos últimos anos, e já começa a incomodar os grandes conglomerados de mídia no Brasil, que são a Abril (com quem não concorre - ainda - por não ter entrado - ainda - no mercado de revistas), a Globo e a Folha. Um desfalque nesses grupos não poderia ser melhor para a Record/Universal. E é essa a estratégia deles: quebrá-los por meio de uma onda de processos.

Tudo bem, são empresas e o mercado é bicho cão. Mas o problema é que um lance dessa guerra empresarial foi dado na forma de matéria jornalística, explicitamente direcionada a fazer o crentezim levantar de sua poltrona com um frêmito de fúria e, indignado, entrar um um pedido de indenização por danos morais contra o Globo e a Folha. Não acho que algum dos dois veículos seja um bastião da moralidade e não sou hipócrita a ponto de achar que os crentes não sofram preconceito, mas é terrivelmente anti-ético manobrar a massa "cristã" por meio de uma pretensa matéria por um objetivo puramente empresarial.

E só mais um pontinho ("a questão que fica no ar"): será que a assessoria jurídica das igrejas fez serviço voluntário ou cobrou um dizimozim do fiel ofendido? E será (a dúvida) que, como todo escritório de advocacia, vai levar uma parte da indenização como honorários? Não duvido que isso aconteça; é sempre bom procurar novas fontes de renda.

27.11.07

Blogues, blogues, por que tê-los?

Comecei o texto anteanterior com essa pergunta e ainda não a respondi. O fato é que, no meu caso, não sei o que me motiva. É a vontade de escrever, sim, certamente, mas de escrever e ser lido. Fosse só escrever, cadernos existem pra isso -- letras, letras, frases, frases e capa fechada. Não tem essa de "eu escrevo pra mim". Quem escreve em blogue quer ser lido. Ponto.

Nos outros blogues que tive, havia um pequeno público. Era a época de ouro, o início dos blogues (2001-2002), em que isso ainda era popular, as pessoas liam, se interessavam e comentavam. E comentar, como já bem disse o Claúdio Vianna em suas tiras, é vital. Não só (mas é hipocrisia excluir esse motivo) por vaidade, mas simplesmente por causa do que foi dito no primeiro parágrafo. Ninguém escreve em blogue pra não ser lido. E como saber se existe leitura se não existe um feedback de retorno?

Aí o tesão acaba. A vontade murcha. E existem ausências, como as duas que já aconteceram neste blogue que, estranhamente, não foi levado por elas. Talvez este seja o definitivo.

Enfim. Não sei pra que um blogue serve nem por que cargas d'água tento manter um. Mas ele vai.

Enquanto isso, me dedico ao meu mais novo passatempo: colaborar com a Verdadeira Enciclopédia da Internet.

22.11.07

Só pra encerrar

Na segunda, publiquei aqui uma discussão travada entre Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara e colaborador da The New Yorker e o editor de internacional da veja, Diogo Schelp.

Jon Lee Anderson resolveu treplicar. Aqui você confere o texto, no original e traduzido.

Seleção Brasileira de Futebol de Botão

Dááááááááá-lhe, Júlio César!Ontem vi mais um "grande desafio para a nossa seleção" (sic Rede Globo) o jogo contra o Uruguai. Foi uma bela partida, como há muito não via. Jogadores correndo, toques de bola rápidos, pressão constante no adversário.

Infelizmente, quem jogou assim foi o Uruguai. Eram muito bons nas roubadas de bola, mas erravam muitos passes. Não fosse isso, provavelmente o time brasileiro não perderia só por 2 a 1. Não foi um placar justo. Deveria ser, no máximo, um empate -- só foi vitória graças ao gol CAGADO do Luís Fabiano. "Estrela do artilheiro" é o caralho, Galvão.

O time brasileiro ficou intimidado. Não sabe jogar contra times velozes com toque de bola. Só consegue enfrentar times que se movimentam pouco, porque nossos próprios jogadores não se movimentam. Parece um time de botão. O melhor jogador brasileiro em campo foi, sem dúvida nenhuma, o goleiro Júlio César. Bem típico do Dunga.

Deus nos proteja no próximo "jogão de bola" (idem acima), um amistoso contra a Irlanda em fevereiro. E sabe-se lá o que pode acontecer no próximo jogo das eliminatórias, contra o poderoso Paraguai, que atualmente é o líder.

É por isso que lanço a campanha: VOLTA, JUNINHO PERNAMBUCANO!

19.11.07

Qual a função de um blogue?

Comecei a me perguntar a respeito disso algum tempo atrás, quando recomecei a ler blogues e querer reativar este aqui. Talvez o comentário de jH ao texto anterior tenha apressado o processo. Mas o fato é que Hunter Thompson Is Back From The Grave.

Começo com uma carta encontrada no imprensa marrom, bom blogue jornalístico, enviada ao informativo oficial da oposição de centro-direita por Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara, a respeito de uma matéria publicada pela revista algum tempo atrás e assinada pelo editor Diogo Schelp.

Antes da carta, a ressalva: eu não sou devoto de Che Guevara.

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“Caro Diogo,

Fiquei intrigado quando você não me procurou após eu responder seu email. Aí me passaram sua reportagem em Veja, que foi a mais parcial análise de uma figura política contemporânea que li em muito tempo. Foi justamente este tipo de reportagem hiper editorializada, ou uma hagiografia ou – como é o seu caso – uma demonização, que me fizeram escrever a biografia de Che.

Tentei pôr pele e osso na figura super-mitificada de Che para compreender que tipo de pessoa ele foi. O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é.

Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade.

O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista.

No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado. Esteja à vontade para publicar esta carta em Veja, se for seu desejo.

Cordialmente,

Jon Lee Anderson.”


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Até aqui, nada de novo pra quem está acostumado às peripécias da revista. Maniqueísmo, parcialidade e alarmismo são fato comum. Talvez o próprio Curso Abril ensine isso àqueles que anseiam por uma vaga na publicação.

O problema foi quando o signatário da reportagem resolveu, do alto de sua arrogância, responder a Anderson. Depois de cada parágafo, um pequeno comentário.

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“Caro Anderson,

Eu fiquei me perguntando, depois de lhe enviar um email pedindo (educadamente) uma entrevista, por que nunca recebi uma resposta sua. Agora sei que a mensagem deve ter-se perdido devido a algum programa antispam ou por qualquer outra questão tecnológica. Também não recebi sua ‘carta’ – talvez pelo mesmo problema. Tudo isso não tem a menor importância agora porque você resolveu o assunto valendo-se dos meios mais baixos – um email circular. O que lhe fez pensar que tinha o direito de tornar pública nossa correspondência, incluindo a mensagem em que eu (educadamente) pedia uma entrevista? Isso, caro Anderson, é antiético. Vindo de alguém que se diz um jornalista, é surpreendente.


Esse é o problema de quem não sai de uma redação. É fato profundamente conhecido que repórteres da veja não assinam matérias; quem assina é o editor, usando (e abusando da) apuração dos outros. Caso Schelp tivesse realmente que correr atrás de uma entrevista, usaria o telefone. Se eu fosse editor-chefe e algum repórter me chegasse com essa desculpa, teria que caçar outro emprego no dia seguinte.

Não adianta nada ter educação, Schelp. Seria melhor ter iniciativa.

Você pode não gostar da reportagem que escrevi; ela pode ser boa ou ruim, bem-escrita ou não, editorializada ou não – mas não foi feita com os métodos antiéticos que você usa. Eu respeito a relação entre jornalistas e fontes. Você não. E mais: parece-me agora que você é daquele tipo de jornalista que tem medo de fazer uma ligação telefônica (assim são os maus jornalistas), já que tem meu cartão de visita e conhece meu número de telefone. Se você tinha algo a dizer sobre a reportagem — e já que sua mensagem não estava chegando a seu destino — poderia ter me ligado.

Ha! Ha! Ha!

A incoerência da veja se revela mesmo no discurso de seus editores. Então agora é a fonte que tem que correr atrás do jornalista (fazendo uma ligação internacional, que seja) se quiser reclamar de uma reportagem -- que foi malfeita (ignorando-se aí toda a editorialização inerente à veja) porque, de início, o jornalista esqueceu da sua OBRIGAÇÃO de se virar (incluindo dar muitos, muitos telefonemas) se quiser fazer uma apuração razoavelmente decente.

O Universo orbita em torno de veja.

Eu não sei que tipo de imagem de si mesmo você quer criar (ou proteger) negando os fatos que o seu próprio livro mostra, mas está claro agora que é a de alguém sem ética. Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista.

Sem mais,
Diogo Schelp”


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O mais engraçado é quando os vejeiros resolvem falar de ética. É pena que essa seja considerada a publicação "informativa" mais importante do país.

Estamos fodidos.

Leia também os comentários do imprensa marrom.

13.6.07

Senso de Ridículo é foda

Mariana parou na frente do espelho para dar uma última ajeitada. As botas de camurça bege que iam até a metade das coxas, o vestido curto de estampa de onça amarrado com um cinto branco de fivela dourada, os cinco cordões empilhados em torno do pescoço, os brincos que esbarravam no ombro e o cabelo cor de casca de ovo estavam em ordem. Tinha certeza de que seria um arraso na naite. Aquela festa prometia.

Pensava nisso quando ouviu batidas. Não eram de carro, nem de frutas; vinham -- que medo! -- do quarto na área de serviço, transformado em Quarto da Bagunça por necessidade de despejar coisas que haviam se tornado inúteis. Quis ignorar o barulho, mas ele continuava, incessante, insistente e inclemente. Por fim, decidiu ir ver o que era.

Chegando no quarto, percebeu que o ruído vinha de dentro do armário onde deixava as roupas que haviam saído de moda. O que estaria ali? Seriam ratos? baratas? traças? Mariana temia por sua vida, mas sentia que devia abrir a porta. Tomou coragem, respirou fundo e puxou.

No início, só havia escuridão. Ouviu então um som de tosse e do meio das roupas velhas saiu um homem de terno cinza claro, que usava óculos de armação redonda e secava a careca com um lenço de pano escurecido. Apavorada, Mariana gritou e deu um pulo para trás, protegendo-se atrás de um pogobol. Como viu que o estranho ficava apenas ali, parado, olhando em redor, resolveu perguntar-lhe quem ele era.

-- Sou seu senso de ridículo. Vim pra te impedir de sair assim.
-- Por quê?
-- Porque você tá ridícula, porra.
-- Mas eu não me sinto ridícula.
-- Quem tem que saber disso sou eu. Vai lá preparar uma bebida pra nós que eu te explico melhor.

E ela foi. Preparou duas doses de uísque com gelo no bar e sentou-se no sofá de couro de lhama ao lado do senso de ridículo, que havia posto um CD do Marvin Gaye pra tocar. Conforme iam conversando, Mariana percebia o quanto havia sido motivo de chacota durante toda sua vida por nunca ter respeitado seu senso de ridículo, e o quanto tudo passaria a ser diferente a partir daquele momento. Ele falava mais, ela ouvia mais, Marvin Gaye botava pra quebrar, o uísque rolava solto e logo ambos trepavam no tapete da sala. No fim da noite, fumando um cigarro, o senso de ridículo disse que precisava ir. Iria numa viagem de negócios, mas logo voltaria. E foi entre juras de amor eterno que ambos se despediram, ele levando cinqüentinha para pagar o táxi até a rodoviária.

Dias depois, sem receber notícias de seu senso de ridículo, Mariana soube que a festa à qual não tinha ido era, na verdade, um recrutamento de mulheres interessadas a trabalhar como putas na Holanda, recebendo em euros e tendo a carteira assinada. Havia perdido a grande chance de sua vida! Tornou-se então uma mulher amarga e desiludida, que costumava dizer "Meu senso de ridículo fodeu comigo" mas ninguém entendia por quê.

24.5.07

And all that jazz

Eu nunca gostei de jazz, muito por causa do Woody Allen. Sempre achei um estilo elitista e com improvisos demais pra ser apreciável.

Até que, dois anos atrás, me dei de aniversário o excelente jogo Mafia que tem, como trilha sonora, jazz europeu da época de 30-40. Algumas músicas me deixaram completamente apaixonado, especialmente algumas que tinham um dedilhado selvagem de guitarra.

Depois de alguma pesquisa, descobri que o dedilhador de guitarra em questão se chamava Django Reinhardt e que ele não tinha dois dedos na mão esquerda -- sim, ele fazia tudo aquilo apenas com dois dedos. Desnecessário dizer que o cara virou meu herói.

Siga este linque pra um dos poucos registros em vídeo de Django (e seu comparsa, Stephan Grappelli, no violino) e veja se não tenho razão. Este outro não tem vídeo, só fotos, mas a música consegue ter, na minha opinião, ainda mais swing.