1.6.06

Aike Ku e o sentido da vida

Tardinha, céu alaranjado do poente, eu bebia vinho gelado à beira da praia. Desocupados jogavam bola nas sujas areias de Charitas, senhoras iam e vinham com suas celulites balouçando ao vento, flanelinhas corriam atrás de carros para extorquir. Era uma tarde perfeita para grandes descobertas filosóficas.

Então Aike Ku apareceu, com passinhos miúdos e o boné bem preso na cabeça para não despentear seu sedoso cabelo de japonesa. Vinha carregando uma bandeja de contrabando, oferecendo-o aos passantes por preços módicos. Uma negativa ali, outra ali, Ku acabou chegando a mim. "Qué dá uma oiadinha?", perguntou-me com sua voz fina, carregada de sotaque coreano. Olhei para Ku com ar blasè. Já ia dispensá-la quando me deparei, entre os chaveiros que apitavam, os óculos de plástico e os pingentes luminosos, bem reluzente e imponente à minha frente, com o sentido da vida.

-- Quanto custa? -- perguntei, trêmulo, apontando o objeto.
-- É quinze reais.

Vasculhei os bolsos. Não dispunha de tanto (é mentira, dispunha, mas queria gastá-lo em mais vinho) e comecei a regatear. Ofereci dez, ela recusou, ofereci doze, ela ameaçou ir embora, ofereci treze, ela disse que não podia. Fiz então minha última oferta:

-- Quinze reais, nada mais que isso.

Ela pensou por um tempo e por fim aceitou. Deu-me o sentido da vida e eu, muito feliz por ter feito um excelente negócio, entreguei-lhe o dinheiro. Sorriu daquele jeito que só as chinesas sabem e afastou-se com seus passos miúdos. Deixei o vinho de lado e fiquei contemplando o objeto. Enfim, em minhas mãos, o sentido da vida! Examinei-o por todos os lados e, por fim, com as mãos tremendo de êxtase, resolvi abri-lo.

E ele quebrou, como toda porcaria taiwanesa que esses malditos vietnamitas vendem na praia.

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