24.6.06

Notícias de um assalto particular

Móveis quebrados. Sangue espirrado pelo chão e pelas paredes. Ninguém está morto. Ainda. Amarrado na cama, um casal bem-sucedido. Apontando armas para ele, um casal malsucedido, cujo único sucesso até então havia sido conseguir render os donos da casa.

Ele: moreno, magro, um metro e setenta e dois e dois dentes a menos. Treme muito e poderia chamar-se José. Ela: morena mais clara, cabelos alisados, carnes fartas, cheiro de Leite de Rosas. Não usam máscaras, não usam disfarces, não usam pedir licença antes de assaltar pobres pessoas desavisadas. “O senhor é o seu Paulo?” “Eu mesmo” “Eu vim ver o relógio de luz” “Tudo bem”. Entrada na casa, rendição, princípio de luta. Neiva chega em seguida, calibre 22, discreta, prática, confortável. Casa isolada no Itanhangá, quintal amplo e caseiro de férias.

Ele: gordo, cabelos levemente grisalhos, olhar superior de executivo que não se cansa de ganhar dinheiro. Paulo de Almeida Gomes Frota. Tem o supercílio cortado, cabeça de José franzino no olho direito. Arranha as mãos nas cordas tentando soltar-se, como fazem os amarrados nos filmes de ação. Ela: idade indefinida, cabelo indefinido, postura indefinida. Quilos de plástica, maquiagem e alienação moldaram sua personalidade o suficiente para fazer da filha de datilógrafa uma mulher respeitável. Olha as paredes sujas de sangue, sangue de seu marido que dava o sangue pelas paredes sujas de sangue.

Ela cata as jóias, revira as gavetas, enquanto ele mantém o casal sob a mira da arma que ela trouxe. Silêncio perturbado por suspiros de pessoas amarradas e jóias colidindo entre si. Neiva inveja as jóias, queria tê-las. Vai tê-las. Trabalha em silêncio, ritmo febril nos dedos, a pressa, a pressa. Ouve sirenes chegando, polícias arrombando a casa, portas de cadeia fechando nos intervalos da respiração forte do dono da casa. José treme todo, como um todo, o dedo trêmulo enfiado no aro do gatilho. Olho de ódio tem seu Paulo, sua mulher tenta enxergar-se pelo espelho. Boa história para contar enquanto lixa as unhas à espera de sua vez no salão.

Neiva olha José. José olha Neiva. Haviam acabado as jóias, mas já tinham o suficiente para considerar uma produção razoável. Queriam morar no Itanhangá, mas moravam na Rocinha. As jóias ajudariam a pagar o aluguel por muitos meses, não importava quantos aumentos houvesse. José sentiu-se Paulo. Sorriu e chamou Neiva, que abraçada a ele sai da casa. Um belo pôr-do-sol no jardim. De mãos dadas, experimentam a verdadeira felicidade.

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